ABRIL 08 - 09

A Missão – Parte VI – Reentrada
Marcos Pontes
09/04/2006

Trajes prontos. Equipamento embarcado. Sistemas verificados. Tensão natural. Afinal, serão horas críticas consumindo enorme energia. Vamos retornar à Terra hoje. Vestimos os trajes Sokol. Olhamos ao redor. Despedimos da Estação que foi nosso lar, fora do planeta, pela última semana. Sensação estranha. Ela continuará aqui, cumprindo sua função, seu destino, longe de todos, nessa fronteira moderna da humanidade.
Entramos no veículo. Fechamos os hatches. Testamos a pressurização. Prontos para partir. Tudo deve acontecer sincronizadamente. O tempo exato é de grande importância para conseguirmos chegar ao local esperado de pouso. Não seria agradável pousar no meio do oceano em algum lugar do planeta. Em todo caso, treinamos para isso. Relembro os pontos principais. Temos que estar preparados sempre.
Começa o desacoplamento e o afastamento entre a Soyuz e a EEI. Na distância correta, inicia-se a queima de reentrada. Serão minutos de grande atenção ao sistema de propulsão. A idéia é reduzirmos a velocidade na órbita. Assim, com velocidade menor, iremos perder altitude e reentrar na atmosfera. Olho para Estação uma última vez. Lá ficaram meus amigos, meus irmãos, Jeff e Pavel. Desejo boa sorte aos dois no cumprimento de sua missão. Tenho certeza que de lá também desejam o mesmo a nós, aqui dentro de nossa pequena espaçonave, prestes a encarar as enormes temperaturas da reentrada.
Seguimos nosso destino. Cumpri a minha parte profissional com o meu país e a minha promessa aos brasileiros de levar a bandeira do Brasil ao espaço pela primeira vez. Agora é lutar pela minha vida nessas próximas horas.
A queima ocorrendo como previsto, nos colocará na velocidade, ângulo e altitude correta para entrarmos na atmosfera. Após a queima, as três partes que compõem o veículo serão separadas: o módulo de habitação, a cápsula de reentrada e o compartimento de instrumentação e propulsão.
Uma vez separados, apenas a cápsula de descida fará uma reentrada controlada para pouso, o restante irá queimar na atmosfera.
Na cápsula, somos protegidos por um escudo térmico na superfície da base do veículo. O contato com a densidade crescente das camadas da atmosfera é difícil e perigoso. A temperatura altíssima produz plasma ao redor da cápsula. Dentro, vibração e atenção. O fator de carga atinge normalmente 4 g (gravidade). Caso o sistema de controle de descida falhe, teremos que fazer uma entrada balística, que, além de nos colocar fora do ponto de pouso, também causa fatores de carga de até 10 g. Nesse nível de aceleração, nossos corpos são tão pressionados ao assento que é praticamente impossível qualquer movimento. Temos que nos esforçar para respirar, utilizando apenas o abdomem, não o movimento normal no peito.
Não há comunicação durante os minutos de reentrada. O pequeno controle de sustentação do veículo é feito através de rolamento em torno do eixo aerodinâmico. Finalmente o paraquedas principal é acionado automaticamente. Se falhar, existe um reserva.
Na sequência, o escudo de proteção térmica é ejetado, enquanto a cápsula é despressurizada.
A descida continua garantida pelo paraquedas. As equipes de resgate acompanham a possível posição de pouso. O helicóptero se posiciona no deserto. É noite, cerca de três e meia da manhã.
A 80 cm do solo, foguetes de redução de velocidade de impacto são acionados. O toque é brusco de qualquer maneira. Dentro, olhamos uns aos outros, verificando se todos estão bem.
Aguardamos o contato das equipes de resgate. Hatch aberto. Estamos em casa. Missão Cumprida!

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